quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

PRETO EMO


Pic-nic
em rotatória
pública,
um dos únicos pedaços
de verde que ainda nos resta,
única aragem lembrando os poucos campos
que sobraram, cercada num círculo modesto
por guias e calçadas, rodeado por florezinhas daninhas
e formigas das que não picam.
Os carros passando,
as pessoas olhando,
jovens se rindo.
Vou estender minha toalha xadrez
em cima da grama pisada
até que os cães comam minha comida,
até que os guardas venham me expulsar,
até que ladrões venham me render,
até que os escapamentos dos carros venham me enfadar,
até que o sol me dê câncer de pele,
até que o mosquito da dengue venha me picar,
até que a vizinhança venha reclamar,
até que adolescentes transviados venham me espancar.
Vou realizar meu pic-nic
nessa rotatória movimentada que
é o que sobrou dos campos. Eu
sou o que sobrou dos que ainda fazem
pic-nic. Embora hoje fazer pic-nic seja um atentado
e uma afronta às pessoas.

Não beba na grama,
não coma na grama,
não coma a grama.
E quando eu der por mim
estarei atropelado por automóveis,
amassado por bicicletas,
esquartejado por motocicletas,
varrido pelos garis,
roído pelas criaturas dos bueiros.
Meu sangue se juntará
ao óleo diesel derramado nas estradas,
em meio à água do esgoto
engrossada de fezes.
A rotatória não existe mais.

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